tanta tormenta, alegria

2 de mai. de 2011

If i only had a brain

Uma dor aqui na cacunda, assim que nem umas fisgada no lombo, não me deixa ficar sentado em frente ao computador. Mas eu queria, de acordo com o que diz o botãozimho embaixo da caixa de texto onde escrevo, "publicar uma nova postagem", só para não perder o ritmo. Então vou reeditar um troço escrito noutros dias, quando as neves d'antanho...



A burrice é uma forma da loucura? E a inteligência?
A gente já nasce um burraldino pronto, ou só com a inclinação, que tem que aprimorar depois?
Eu me perguntava essas coisas dia desses lendo o jornal. E tanto elas me atormentaram que fechei o jornal e, invocando o Rodin, inclinei o corpo para a frente e apoiei o queixo no punho fechado e fiquei lá, meditabundando, por um tempinho bem razoável.
Não respondi a nenhuma das perguntas, mas fiz uma descoberta.
Tá, não é bem uma descoberta, porque acho que eu meio que já sabia, mas é sim uma certeza que só agora brotou robusta, à la baobás do Pequeno Príncipe.
Nada é mais fascinante que a burrice.
Não sei como funciona, essa mecânica da cretinice, entre os outros animais. Sei que nós humanos não podemos ver uma besteira sendo perpetrada que não nos deixemos ficar lá, à roda do cretino, mesmerizados.
Considere a burrice rochosa e impenetrável de quase todo mundo que você já conheceu. Agora seja um pouco mais honesto e considere a sua também. Lembre que todas, mas todas mesmo, as histórias que você já leu, ouviu ou assistiu tratam de uma forma ou outra dessa burrice. Repare em como ela é multiforme, em como existem mais cores, modelos e tamanhos de burrice do que de tênis muito loucos. Diga que eu não tenho razão quando afirmo que a burrice é uma praga maior que todas as outras, seja câncer, piolho, locutor esportivo ou gafanhoto. Se não concorda, responda: quantos cânceres você teve hoje? E piolho? Já locutor esportivo e gafanhoto a gente sabe que não existem mesmo, ali, no duro. Só no Animal Planet. É só desligar a TV. Mas em quantos idiotas você já tropeçou hoje, sem poder escapar?
Tem mais. Tente calcular quanta vida você gasta lidando com burraldinos. Veja como você dedica mais tempo a eles do que à sua namorada. Sim, porque não existe mulher bonita, por mais bonita e adorável e amada que seja, que te ocupe a cabeça que nem um autêntico ato de burraldice cometido por um Homo Burraldinensis* imaculado. E isso já nos diz alguma coisa sobre a sua inteligência.
Mesmo a beleza mais nobre não existe sem a burrice. Pense nas tragédias. Pense em Édipo. Matar o pai e casar com a mãe e causar a ira de Apolo, tudo sem saber, tudo antes do começo da peça, digamos que não qualifica o sujeito ao título de crânio, certo? E nem quero falar do Hamlet.
Pense nisso tudo e admita: nada é mais fascinante que a burrice.
Ela é onipresente, não Deus. Deus mora na sua cabeça e pronto. Ela está embaixo de cada pedra, em cima de cada árvore, no fundo de cada mar. A burrice, ela sim, é o Mistério. Big-Bang, singularidade, a natureza do bem e a essência do mal? Tudo piada. Eu quero ver é alguém me explicar a burrice. Ela é imprevisível, incontrolável, irredutível.
E indispensável.
Imagine um mundo sem atores, sem atletas, sem apresentadores de televisão, editores de suplementos culturais, críticos de cinema ou literatura, sem presidentes!
Imagine um mundo inteiro só de Bertrand Russells.
A vida seria um inferno, e o suicídio um sacramento.
Não. A burrice é que nos ocupa o espírito e a mente e impede que afundemos em nossas poltronas até morrer de tédio.
Ela é que mantém o mundo coeso. Ela é que nos mantém unidos como espécie. Porque, de verdade, o que é que nós temos a ver um com o outro? Te garanto que eu não tenho nada a ver com você, muito menos com aquele gordinho ali tirando caca do nariz. Precisamos de guerras e catástrofes, burrice em tom épico, burrice cósmica, para compartilhar nosso único sentimento comum: a fascinação pela burrice.
E sabe que no fim isso até me fez sentir uma alegriazinha, que até ergui uma sobrancelha?
A paz invadiu o meu coração, eu vi que tudo era bom, tudo estava no lugar, e a dança do universo tinha o seu ritmo. Se tudo que precisamos ter para nos confortar é burrice, então bem, que seja, o estoque é infinito! É talvez o único recurso natural inesgotável.
Mas a euforia não vingou. Lembrei que a burrice pode ser o mais abundante bem no universo, mas a inteligência é escassa.
E a contemplação, e o bom aproveitamento, da burrice, própria ou alheia, estão reservados justo aos inteligentes.
Aí abri de novo o jornal e voltei a ler.

*Mencken batizou o idiota americano comum de Boobus Americanus. Bom, a americana é, na verdade, só uma das variedades do Homo Burraldinensis 

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