tanta tormenta, alegria

28 de abr. de 2011

A frança mostra a cara

Negócio com leis é que tendem a ser respeitadas por quem respeita leis. Não digo que sejam inúteis. São inevitáveis. Mas são um transtorno, e na maioria da vezes... é, bom, inúteis. Ou não precisaríamos de polícia para ver que sejam cumpridas.
Sendo um transtorno, deveriam ter seu número limitado àquelas realmente necessárias e práticas. O que não me parece ser o caso dessa lei francesa tão comentada.
Ah, os franceses... Tanta coisa boa a ser dita sobre eles... e tanta besteira dita e feita por eles... Lógico, eles não têm o monopólio da irracionalidade, é possível até (mas eu duvido) que nem ocupem nenhuma das primeiras posições na lista dos grandes perpetradores de idiotice. Só que eles acham que são o contrário, os guardiães da razão no mundo assolado por la folie... Ah, os intelectuais franceses... aquela saraivada de adjetivos, aquela propensão à tautologia, aquele tatear no escuro do pensamento em busca do interruptor, que há tempos vêm passando por estilo e inteligência franceses...
Onde a clareza maravilhosa de Montaigne e de Voltaire?

Mas a lei. O que tenho visto em jornais, não só no Brasil, tem sido no mínimo desinformativo. Pude entender, juntando trapos de notícia daqui e dali, é que a lei proíbe não a burca e o niqab, como em geral se vê nas folhas, mas toda e qualquer cobertura facial (máscaras, capacetes, máscaras de esqui, inclusive cachecóis enrolados de modo a cobrir o rosto) no sempre elegante linguajar oficial e oficioso, e não símbolos religiosos. É engraçado que ela não proíba justamente o uso das tais coberturas faciais nas poucas situações em que elas são realmente necessárias, ou seja, para motoqueiros, bombeiros, em algumas condições no inverno... As justificativas mais alardeadas para a existência da lei têm sido duas: segurança e a preservação do caráter laico do espaço público.
Quanto à primeira, a frase com que abri esta papagaiada resume o que penso. É possível que alguém racional acredite que um perverso malfeitor, seja terrorista, seqüestrador, assaltante, vai deixar de cometer um crime, preocupado com a multa que pagaria se escondesse o rosto? Me parece que alguém disposto a explodir uma estação de trens, um avião ou mesmo uma casinha de cachorro já ultrapassou este estágio há bastante tempo... Aliás, acho que um bandido espeertinho há de saber que andar pela rua com a máscara do Reagan, ou com máscara de esqui no verão, vai parecer suspeito com ou sem lei.
O segundo argumento é negado pela própria lei, que não proíbe a exibição de nenhum símbolo religioso que não cubra o rosto.

Logo, o que se pode concluir?
Visto que as únicas pessoas obrigadas mesmo a mudar seus hábitos por causa da lei são as mulheres muçulmanas que usam a burca e o niqab cotidianamente (pouquíssimas, de acordo com as estatísticas) é de se supor que a lei, na verdade, se destine a elas. E que tenha sido motivida pelo desejo do governo francês, centro-direitista, de se curvar à xenofobia crescente (aliás, é incrível que ela ainda possa crescer mais na França) e tentar evitar a bastante possível derrota para a extrema direita, nas eleições vindouras.

É preciso que eu diga, não estou defendendo o uso de burca ou niqab. Sei que a maior parte dos muçulmanos, homens e mulheres, condena esse uso, inclusive autoridades religiosas, que dizem não existir no alcorão nada que o justifique.
Mas que algumas mulheres se vistam assim (e que algumas o façam a contragosto, pressionadas por famílias ou maridos, ou ainda que voluntariamente, condicionadas por hábitos vetustos, é outra discussão) me incomoda menos que o serem elas forçadas a não fazê-lo, através de uma lei que grita sua inutilidade e seu caráter discriminatório (também sei que toda lei discrimina alguma coisa, diacho, é para isso que ela serve; a chave aí é a inutilidade).

De tudo que li, apoiando a criação da lei, a única observação que achei interesante e capaz de levar a uma boa discussão, foi a de João Pereira Coutinho, quando diz que a lei deve ser louvada como a forma encontrada por um governo moderadamente direitista para evitar que um eventual governo ultradireitista promulgue leis ainda mais restritivas. Não concordo, mas dá para discutir um pouquinho.

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