tanta tormenta, alegria

22 de mai. de 2011

Som, fúria e bom humor

Semana de correria e canseira. Não consegui mais que rabiscar as tranqueirinhas abaixo.

1

Noutra noite, durante uma janta, amiga perguntou se li “O Som e a Fúria”. Li, sim. Então ela pediu que eu explicasse que raio acontecia no livro e me dei conta de não ter a mais remota lembrança. Minha cara de tacho deve ter fulgurado na escuridão, visível a quarteirões de distância.
 
Li “O Som e a Fúria” há uns 20 anos mais ou menos, quando morava perto duma biblioteca para onde minhas roupas iam sozinhas, depois de um tempo, quando eram penduradas no cabide.
Lembro que li também “Absalão, Absalão”, e que andei um tempo declarando o Faulkner o melhor escritor americano.
Depois nunca mais li.
 
Fui, então, após a descoberta do blecaute lítero-mnemônico, ver o que ainda lembraria de outras leituras.
Que desconsolo...

Alguns se encontram na mesma situação de “O Som e a Fúria”: “Nossa Senhora das Flores”, “O Quinze”, “O Balcão”, “Judas, o Obscuro”, “Orlando”, “O Sol Também se Levanta”... parêntese para notar que lendo ou relendo alguns destes livros hoje, desconfio que os detestaria.
De outros esqueci detalhes de enredos ou personagens, mas ainda lembro com maior ou menor clareza da idéia central, ou da impressão que a leitura me deixou: “O Longo Adeus” (futuro clássico), “O Retrato de Dorian Gray” (chaaaato...), “O Chamado da Selva” (um dos maiores encantos literários que já tive)...

O que fica, quando acabamos um livro? Sei que as leituras são tantas quantos são os leitores e quantas as circunstâncias em que acontecem, mas não existirá alguma coisa comum a todas?
Não sei. Acabei concluindo que eu, quando leio, não dou grande atenção a enredo, e quando acabo de ler, o que me fica na memória, passado um tempo, são uma estrutura e um punhado de imagens, além do significado que o livro teve para mim, se o teve.

2 
Humor é simples: se é engraçado pode, se não, não.
Não é de bom tom, sim, fazer piada com alguns assuuntos. Mas tudo depende de circunstâncias: quem, onde, quando e como conta a piada.
Danilo Gentili não tem graça. O CQC não tem graça. O programa lá da MTV não tem graça.
 
Mas o que me espanta mesmo, embora não devesse, é que tanta gente se incomode e se indigne tão facilmente, por motivos que a mim soam tão insignificantes. São palavras, ditas por alguém que as pessoas só conhecem de TV, e cujas opiniões (nos dois casos nem isso), a bem da verdade, não lhes afetam em nada a vida.
 
Já escrevi sobre isso, mas talvez o assunto ainda renda.
Parece que temos uma noção meio tortinha de tolerância. Parece que existe um fetichismo da tolerância, cujo resultado mais óbvio é a geração de intolerância.
Tolerar não significa concordar, nem discordar mas se abstendo de criticar por respeito à opinião alheia.
Opiniões não têm que ser respeitadas, pessoas têm.
Opiniões têm que ser discutidas e quando necessário massacradas, para que pessoas não sejam massacradas, quando opiniões são transformadas em atos.
Mas isso é importante: Quando transformadas em atos. Opiniões simplesmente expressas em palavras nunca devem ser silenciadas, porque aquilo que se cala à força tem por hábito não se calar, aquilo que banimos sem compreender sempre volta para nos assombrar e, se puder, destruir.
 
Outra coisa: tolerância não é, também, uma discordância cordial à respeito de nós de gravata e padrões decorativos de cortinas. Tolerância pressupõe que o que se tolera nos seja desagradável e significativo.
 
A tolerância é a última trincheira da civilidade. Quando se esgotaram todos os outros recursos, usados para assegurar a convivência pacífica entre diferenças, é a ela que se recorre. Não antes disso, porque aí estaríamos usando a idéia de tolerância como a peneira que tapa a nossa solar indisposição para o debate.
Nós brasileiros não conversamos. Desconversamos.

12 de mai. de 2011

La donna è móbile - june miller

Dois

1
Uma boa pessoa nem sempre é uma pessoa boa, enquanto uma pessoa boa dificilmente será uma boa pessoa.
A boa pessoa, homem ou mulher, é aquela de quem você não gosta muito, porque ela é meio tapada, e porque ela não tem nenhuma qualidade visível além do fato de não ser insuportável. Mas ela costuma ser educada, cumprimentar e agradecer, e saber quando falar ou calar. Mesmo quando um estorvo ou uma chateação, ela não te faz sentir vergonha de partilhar com ela o planeta e a espécie. Às vezes uma boa pessoa pode até se tornar uma boa amiga. Raro, mas acontece.
Já a pessoa boa é sempre um estrupício com que se lida a contragosto, alguém que te permite exercitar a virtude do autocontrole, pois a cada segundo você resiste ao desejo de esganar a pessoa boa.
Ela é quem vai tentar te convencer a não fumar e não beber. É quem vai te envergonhar tendo um chilique público se um cigarro for aceso perto dela. É quem vai te aconselhar ( a pessoa boa aconselha muito) a dizer a verdade pra sua mulher, porque a verdade, a pessoa boa dirá, é sempre o melhor caminho (e nessa hora você quase cede àquele impulso de esganar a pessoa boa).
A pessoa boa é quem vai comentar sobre aquele filezinho: “Ih... não quero nem ver o que faz com as artérias...”
A pessoa boa sempre diz a coisa errada na hora errada e nunca sabe (ou quer) se calar, porque ela fala pelo seu bem.
A pessoa boa é aquela a quem você quer pedir (e tão raramente o faz, porque você é uma boa pessoa) que devolva sua bondade ao coldre e observe a distância mínima recomendada pela cortesia.
Ninguém suporta a pessoa boa.
Cuidado com a pessoa boa.

2 
O homem de fé se abriga à sombra do seu oásis.
O homem sem fé mastiga a areia quente dos desertos.
O homem de fé repousa no abraço generoso de todas as coisas criadas.
O homem sem fé arqueja e com suor e dor modela um mundo a sua imagem.
O homem de fé sabe que tem razão.
O homem sem fé sabe que razão não há.
O homem de fé defende o bem e enfrenta o mal.
O homem sem fé debate-se para escapar ao arame farpado das abstrações.
O homem de fé espera merecer a graça de habitar a morada imaterial da glória.
O homem sem fé sabe que da terra colheu pedras e ergueu a melhor casa que pôde.
O homem de fé conforma sua natureza de homem à lei que crê superior.
O homem sem fé conforma sua lei de homem à natureza que crê superior.
O homem de fé não ofende com seu corpo à dignidade do seu deus.
O homem sem fé não ofende com seu corpo à sua dignidade de homem.
O homem de fé sente medo e frio.
O homem sem fé sente medo e frio.
O homem de fé mata e morre.
O homem sem fé mata e morre.

7 de mai. de 2011

Batuque na cozinha

- Estando atolado em livros e jornais e que tais a maior parte dos dias do que já é há tempos, com a idade, a maior parte da minha vida, me acontece muito pensar na utilidade ou não desse ajuntamento de tranqueiras a que nos entregamos.
Minha biblioteca, por exemplo, tão pequenininha, é duas ou três vezes maior que a do Montaigne, que devia ser uma das maiores bibliotecas particulares do tempo em que ele viveu, século 16.

E quem diz que eu vou precisar desses livros todos, ou que a posse (e a leitura, certo, sejamos justos comigo) desses livros todos, vai me ser útil ou benéfica?
Digo, temos tanta, mas tanta, informação, e quase nada do que produzimos a partir dela é digno de lembrança uma semana depois de lido, visto, ouvido ou cheirado.
Shakespeare devia ter menos livros do que tenho numa prateleira...
Sei, sei, o mundo é mais complexo, as sociedades modernas isso, aquilo e aquele outro e tal e coisa e coisa e tal.
Mas a sensação é que emburrecemos.

Isso de forma alguma me põe junto àqueles que condenam o excesso de informação como emburrecedor. Não, sempre acho que é melhor pecar por excesso que por falta. Nós é que parecemos ter nos esquecido como nos mover entre o melhor e o pior. 

Um bom exercício para quem acredita que ler indiscriminadamente é benéfico, seria passar um tempo vendendo livros num sebo. Nenhum gênero vende mais que livros espíritas. Tenho certeza que um devoto ou estudioso do espiritismo, e quase todos os devotos do espiritismo são estudiosos, lê muito mais que um professor de letras da USP ou da PUC.
Mas lêem o quê? Livros espíritas.
Se leitura, por si, tivesse algum valor educativo, as filas de médiuns sem emprego vendendo avons e naturas fariam disparar as estatísticas dos engarrafamentos em São Paulo.

Católicos não lêem nada.

- É constrangedor, mas não tem como eu fugir da confissão:
Desde criancinha eu sempre quis fazer um desses quadros com cotações de filmes e discos e livros, que vejo desde sempre em jornais e revistas. Agora, pois que aqui estou, proprietário único e mandatário absoluto deste poderoso baluarte da imprensa digital, hei de enfim entregar-me à satisfação deste meu pequeno prazer solitário.

Cotações
- - - Vade retro!
- - ruim
- passável
+ bom
++ ótimo
+++ Deus existe!

Filmes
A rede social -   Cisne negro - - -   O discurso do rei -   Bravura indômita (Coen Bros.) -   Garotas do abc -   Filme de amor - -   A mocidade de lincoln +   Um homem sério ++   Invictus +   Neste mundo e no outro -

Livros
Todo homem é minha caça (Millôr, Record) ++   Em algum lugar algum (Ferreira Gullar, Record) ++   Missa negra (John Gray, Record) +   The spectator volume 1 (Joseph Addison e Richard Steele, Projeto Gutemberg) +++   Sexo na cuca (Deborah Blum, Beca) +   Melhores crônicas de ignácio de loyola brandão (Global) - - -

Discos
The voice that is! (Johnny Hartman) +++   Variações goldberg com Glen Gould +++   Variações goldberg com Pierre Hantäi ++   Complete savoy recordings (Billy Eckstine) +++  

TV
Veronica mars ++

- Dia desses fui acordado pelo toque infernal, insistente, histérico, do telefone. Fechei os olhos e tentei não atender, como faço de hábito, mas o troço não parava. Capitulei.
Era uma senhora de certamente mui distinta progênie, querendo me vender frios e laticínios.

Penso muito no Schopenhauer, que reclamava do barulho das carroças na rua onde morava, e me pergunto em que buraco fomos nos meter...

- Tem quem não goste de cinema inglês. Eu, quando escuto ou leio algum bestinha, que quase sempre o são aqueles que se declaram adeptos dessa estranha forma de perversão do gosto, eu, dizia, quando trombo com um deles, reviro os olhos e respiro fundo e rezo, pedindo às Musas que iluminem as mentes obscuras.
Que o cinema inglês é uma das delícias restantes sob os escombros daquilo que um dia se chamou, com muita esperança e pouco senso, de arte do século 20, é um fato que só os críticos deveriam ignorar.
Mas se até mesmo um sujeito bacaninha que nem o civilizadíssimo José Lino Grünewald a certa altura dos anos 60 achou de acreditar que o cinema brasileiro era mais importante que o inglês, o que esperar dos mais tosquinhos?
Se até o Ivan Lessa já deixou escrito que cinema inglês não há não senhor, que esperar dos mais lerdinhos, aqueles que ainda acreditam nas vagas vogas da Nouvelle Vague?
Eu sei, e simplesmente sei e não peça que eu explique porque tenho preguiça, que o pior filme inglês é melhor que o melhor filme francês ou, credo, brasileiro. Os americanos e os japoneses podem olhar para eles de cima. Os italianos podem lhes falar sem corar nem baixar os olhos. Mas francês e sueco e alemão e russo? Delírio de crítico.

- O clichê diz que João Cabral jamais escreveu um verso além da conta, enquanto Drummond escrevia e publicava demais. Certo sobre Drummond, errado sobre Cabral. Ele tem livros inteiros que podem ser dispensados sem dó nem piedade.
Outros poetas houve, e há, no Brasil, mais criteriosos que ele. José Paulo Paes, Roberto Piva e Ferreira Gullar são alguns.
Que alguns poemas de Cabral valham quase toda a obra de Paes e Piva, é outra discussão, que talvez fosse divertida. Mas sei não, com o Gullar a briga é braba.

- Poucos jornalistas hoje mais modernos que Heine. Morreu em 1856.

Aliás, alguém lembrou de comemorar, este ano, os trezentos anos(!!!!!) do The Spectator de Addison e Steele?

2 de mai. de 2011

If i only had a brain

Uma dor aqui na cacunda, assim que nem umas fisgada no lombo, não me deixa ficar sentado em frente ao computador. Mas eu queria, de acordo com o que diz o botãozimho embaixo da caixa de texto onde escrevo, "publicar uma nova postagem", só para não perder o ritmo. Então vou reeditar um troço escrito noutros dias, quando as neves d'antanho...



A burrice é uma forma da loucura? E a inteligência?
A gente já nasce um burraldino pronto, ou só com a inclinação, que tem que aprimorar depois?
Eu me perguntava essas coisas dia desses lendo o jornal. E tanto elas me atormentaram que fechei o jornal e, invocando o Rodin, inclinei o corpo para a frente e apoiei o queixo no punho fechado e fiquei lá, meditabundando, por um tempinho bem razoável.
Não respondi a nenhuma das perguntas, mas fiz uma descoberta.
Tá, não é bem uma descoberta, porque acho que eu meio que já sabia, mas é sim uma certeza que só agora brotou robusta, à la baobás do Pequeno Príncipe.
Nada é mais fascinante que a burrice.
Não sei como funciona, essa mecânica da cretinice, entre os outros animais. Sei que nós humanos não podemos ver uma besteira sendo perpetrada que não nos deixemos ficar lá, à roda do cretino, mesmerizados.
Considere a burrice rochosa e impenetrável de quase todo mundo que você já conheceu. Agora seja um pouco mais honesto e considere a sua também. Lembre que todas, mas todas mesmo, as histórias que você já leu, ouviu ou assistiu tratam de uma forma ou outra dessa burrice. Repare em como ela é multiforme, em como existem mais cores, modelos e tamanhos de burrice do que de tênis muito loucos. Diga que eu não tenho razão quando afirmo que a burrice é uma praga maior que todas as outras, seja câncer, piolho, locutor esportivo ou gafanhoto. Se não concorda, responda: quantos cânceres você teve hoje? E piolho? Já locutor esportivo e gafanhoto a gente sabe que não existem mesmo, ali, no duro. Só no Animal Planet. É só desligar a TV. Mas em quantos idiotas você já tropeçou hoje, sem poder escapar?
Tem mais. Tente calcular quanta vida você gasta lidando com burraldinos. Veja como você dedica mais tempo a eles do que à sua namorada. Sim, porque não existe mulher bonita, por mais bonita e adorável e amada que seja, que te ocupe a cabeça que nem um autêntico ato de burraldice cometido por um Homo Burraldinensis* imaculado. E isso já nos diz alguma coisa sobre a sua inteligência.
Mesmo a beleza mais nobre não existe sem a burrice. Pense nas tragédias. Pense em Édipo. Matar o pai e casar com a mãe e causar a ira de Apolo, tudo sem saber, tudo antes do começo da peça, digamos que não qualifica o sujeito ao título de crânio, certo? E nem quero falar do Hamlet.
Pense nisso tudo e admita: nada é mais fascinante que a burrice.
Ela é onipresente, não Deus. Deus mora na sua cabeça e pronto. Ela está embaixo de cada pedra, em cima de cada árvore, no fundo de cada mar. A burrice, ela sim, é o Mistério. Big-Bang, singularidade, a natureza do bem e a essência do mal? Tudo piada. Eu quero ver é alguém me explicar a burrice. Ela é imprevisível, incontrolável, irredutível.
E indispensável.
Imagine um mundo sem atores, sem atletas, sem apresentadores de televisão, editores de suplementos culturais, críticos de cinema ou literatura, sem presidentes!
Imagine um mundo inteiro só de Bertrand Russells.
A vida seria um inferno, e o suicídio um sacramento.
Não. A burrice é que nos ocupa o espírito e a mente e impede que afundemos em nossas poltronas até morrer de tédio.
Ela é que mantém o mundo coeso. Ela é que nos mantém unidos como espécie. Porque, de verdade, o que é que nós temos a ver um com o outro? Te garanto que eu não tenho nada a ver com você, muito menos com aquele gordinho ali tirando caca do nariz. Precisamos de guerras e catástrofes, burrice em tom épico, burrice cósmica, para compartilhar nosso único sentimento comum: a fascinação pela burrice.
E sabe que no fim isso até me fez sentir uma alegriazinha, que até ergui uma sobrancelha?
A paz invadiu o meu coração, eu vi que tudo era bom, tudo estava no lugar, e a dança do universo tinha o seu ritmo. Se tudo que precisamos ter para nos confortar é burrice, então bem, que seja, o estoque é infinito! É talvez o único recurso natural inesgotável.
Mas a euforia não vingou. Lembrei que a burrice pode ser o mais abundante bem no universo, mas a inteligência é escassa.
E a contemplação, e o bom aproveitamento, da burrice, própria ou alheia, estão reservados justo aos inteligentes.
Aí abri de novo o jornal e voltei a ler.

*Mencken batizou o idiota americano comum de Boobus Americanus. Bom, a americana é, na verdade, só uma das variedades do Homo Burraldinensis 

28 de abr. de 2011

A frança mostra a cara

Negócio com leis é que tendem a ser respeitadas por quem respeita leis. Não digo que sejam inúteis. São inevitáveis. Mas são um transtorno, e na maioria da vezes... é, bom, inúteis. Ou não precisaríamos de polícia para ver que sejam cumpridas.
Sendo um transtorno, deveriam ter seu número limitado àquelas realmente necessárias e práticas. O que não me parece ser o caso dessa lei francesa tão comentada.
Ah, os franceses... Tanta coisa boa a ser dita sobre eles... e tanta besteira dita e feita por eles... Lógico, eles não têm o monopólio da irracionalidade, é possível até (mas eu duvido) que nem ocupem nenhuma das primeiras posições na lista dos grandes perpetradores de idiotice. Só que eles acham que são o contrário, os guardiães da razão no mundo assolado por la folie... Ah, os intelectuais franceses... aquela saraivada de adjetivos, aquela propensão à tautologia, aquele tatear no escuro do pensamento em busca do interruptor, que há tempos vêm passando por estilo e inteligência franceses...
Onde a clareza maravilhosa de Montaigne e de Voltaire?

Mas a lei. O que tenho visto em jornais, não só no Brasil, tem sido no mínimo desinformativo. Pude entender, juntando trapos de notícia daqui e dali, é que a lei proíbe não a burca e o niqab, como em geral se vê nas folhas, mas toda e qualquer cobertura facial (máscaras, capacetes, máscaras de esqui, inclusive cachecóis enrolados de modo a cobrir o rosto) no sempre elegante linguajar oficial e oficioso, e não símbolos religiosos. É engraçado que ela não proíba justamente o uso das tais coberturas faciais nas poucas situações em que elas são realmente necessárias, ou seja, para motoqueiros, bombeiros, em algumas condições no inverno... As justificativas mais alardeadas para a existência da lei têm sido duas: segurança e a preservação do caráter laico do espaço público.
Quanto à primeira, a frase com que abri esta papagaiada resume o que penso. É possível que alguém racional acredite que um perverso malfeitor, seja terrorista, seqüestrador, assaltante, vai deixar de cometer um crime, preocupado com a multa que pagaria se escondesse o rosto? Me parece que alguém disposto a explodir uma estação de trens, um avião ou mesmo uma casinha de cachorro já ultrapassou este estágio há bastante tempo... Aliás, acho que um bandido espeertinho há de saber que andar pela rua com a máscara do Reagan, ou com máscara de esqui no verão, vai parecer suspeito com ou sem lei.
O segundo argumento é negado pela própria lei, que não proíbe a exibição de nenhum símbolo religioso que não cubra o rosto.

Logo, o que se pode concluir?
Visto que as únicas pessoas obrigadas mesmo a mudar seus hábitos por causa da lei são as mulheres muçulmanas que usam a burca e o niqab cotidianamente (pouquíssimas, de acordo com as estatísticas) é de se supor que a lei, na verdade, se destine a elas. E que tenha sido motivida pelo desejo do governo francês, centro-direitista, de se curvar à xenofobia crescente (aliás, é incrível que ela ainda possa crescer mais na França) e tentar evitar a bastante possível derrota para a extrema direita, nas eleições vindouras.

É preciso que eu diga, não estou defendendo o uso de burca ou niqab. Sei que a maior parte dos muçulmanos, homens e mulheres, condena esse uso, inclusive autoridades religiosas, que dizem não existir no alcorão nada que o justifique.
Mas que algumas mulheres se vistam assim (e que algumas o façam a contragosto, pressionadas por famílias ou maridos, ou ainda que voluntariamente, condicionadas por hábitos vetustos, é outra discussão) me incomoda menos que o serem elas forçadas a não fazê-lo, através de uma lei que grita sua inutilidade e seu caráter discriminatório (também sei que toda lei discrimina alguma coisa, diacho, é para isso que ela serve; a chave aí é a inutilidade).

De tudo que li, apoiando a criação da lei, a única observação que achei interesante e capaz de levar a uma boa discussão, foi a de João Pereira Coutinho, quando diz que a lei deve ser louvada como a forma encontrada por um governo moderadamente direitista para evitar que um eventual governo ultradireitista promulgue leis ainda mais restritivas. Não concordo, mas dá para discutir um pouquinho.

22 de abr. de 2011

CVCine

Todo mundo precisa, vez em quando, de um feriado mental, e uma das coisas que o cinema faz direitinho é fornecer cenários pras nossas vidas imaginárias. Cada filme é um lugar diferente fora do mundo real. E por mais que as gentes sérias aí pelas folhas, páginas e telas apregoem as seriíssimas implicações e intenções das artes e entretenimentos, eu tenho pra mim e aqui vos digo, meus queridos, que uns... vá lá, 97,62% dos méritos de qualquer livro, filme, quadro, sinfonia, estão justamente na sua capacidade de embaçar nossa realidade intolerável. As Musas são as agentes de turismo do espírito. E melhores não há.
Na verdade eu acho mesmo que toda a linguagem humana foi criada pra nos distrair da realidade. Na verdade, indo um tiquinho mais longe, eu acho mesmo que tudo que a gente faz e fez, de se apaixonar a criar cidades-estado, serve e serviu pra nos distrair da realidade.
Mas isso aqui é sobre filmes. Pra dizer que não tem nada errado nisso de gostar de um filme porque ele te faz navegar pra longe da sala sem graça onde você estava sentado na hora em que o assistia.
Aqui alguns filmes que visito e revisito há anos, antes de mais nada por causa dos cenários.

Shadowlands. Ah, a história da literatura seria tão diferente se eu morasse neste filme!... Não tem dúvida: aquela casa do Anthony Hopkins me faria escrever prateleiras de obras-primas. A mestria, o domínio perfeito da perícia verbal que emanariam daquelas paredes e se depositariam no papel com a suavidade e a certeza de um rio calmo... É isso: minha falta de talento é geográfica. Melhor, imobiliária.



Enchanted April. Neste juntam-se a Inglaterra e a Itália, minhas duas paixonites geográficas. O Castello Brown fica em Portofino. Passou de mão em mão desde mil oitocentos e sei lá quanto até ser comprado pela cidade em 1961 e virar atração turística. O livro que inspirou o filme foi, se não me engano, escrito nesse mesmo castelo, em 1922. 


Stealing Beauty. Claro que a presença da Liv Tyler aprimora a paisagem, e eu ficarei seriamente decepcionado se descobrir que ela não vem junto no pacote, quando comprar aquele sitiozinho na Toscana.



Hanna e suas Irmãs. Acho que Nova York nunca foi, nem deve ser de verdade, tão bonita quanto neste filme.


A Room With a View. Ivory e Merchant eram especialistas em confeitar Sabrinas e Júlias para boas moças alfabetizadas de ambos os sexos, e este em particular, com seu roteiro que achata as sutilezas do livro e injeta glicose no que já era groselha, e seu casal de protagonistas que somados têm o talento de um Gianechini bêbado, deveria fazer E. M. Forster lamentar o seu conhecimento do alfabeto. Mas ói outra vez a Itália e a caipirada inglesa e seus gramados quadricentenários juntos para compensar a contento os suplícios menores.

21 de abr. de 2011

Dois retratos

Gostei não do texto sobre arte. Chato escrever em marcha lenta.
Encerrando o assunto, dois retratos.


Neste vejo um senhor distinto mas informal, boa companhia prum gole e um papo. Meio triste, o olhar, mas inteligente, bem-humorado, talvez até um pouco malandro.


Neste o negócio é outro. Nada amigável, nada informal. Nenhum aperitivo à vista por aqui. O olhar é quase agressivo, mostra um desdém violento, como se dissesse que não se importa conosco, não importa se o vemos ou não. Como se dissesse que ele é mais importante que nós, que a nossa presença diante dele, porque ele é real e nós não. Nós estamos dentro daquele outro retrato, junto do senhorzinho distinto. Ele não. Ele existe de verdade enquanto nós somos sonhos.
Sem qualquer roupa visível que nos ajude a dizer se é rico, pobre, elegante ou vulgar, ele não faz pose nenhuma, só fica parado diante de nós em silêncio afirmando que existe e que não é qualquer um. Ele é inteligente, dá para ver. Ele viu e fez muita coisa. Ele é forte, mas também está cansado. Ele sabe que o tempo é curto, que a vida é curta, que tudo passa, e não quer saber de enrolação.
O que este retrato diz é: Olha, tá vendo? Eu sou um homem. Eu não presto. Eu sou um herói. Eu sou um artista. Tá vendo o que eu sei fazer? E você? Faz melhor? Eu tô morrendo. Você tá morrendo. Não me importa. Isto que eu fiz vai ficar, e é melhor que eu e você. Isto que eu fiz é a vida.

O primeiro é um retrato do escritor Frank McCourt, feito pelo Jason Seiler para ilustrar a notícia da morte de McCourt. É uma ilustração de primeiríssima.
O segundo é um auto-retrato de Lucien Freud. É uma obra de arte.

16 de abr. de 2011

Cânone móbile

O Sétimo Selo

Esclarecendo: o Bergman não era um intelectual atormentado. Era um artista, ou o mais próximo que um diretor de cinema chegou disso. E este filme deve ser, dentre os seus melhores, o mais acessível e apaixonante. Não o melhor, mas é provável que o melhor primeiro filme a ser visto por alguém a fim de conhecer Bergman. Se você não gostar deste filme, acho que não gostará dos outros. Para mim ele é tão fundamental que lembro detalhes não só do dia em que o assiti a primeira vez, mas da época e do lugar. Lembro a sala e a tela (não mais que uma garagem e um lençol), lembro que de acordo com as legendas em espanhol a morte convidava o Max Von Sydow para jugar el ajedrez, lembro a tarde nublada e lembro a conversa idiota do casal sentado atrás de mim quando o filme acabou, ambos comentando naquele tonzinho enfastiado típico duma certa classe de imbecis que a idéia da arte como redenção era um clichê. Lembro que na época eu ainda não fumava e que fiquei andando pra cima e pra baixo esperando a hora da sessão, sem dinheiro pra mais nada além dos filmes. É, filmes, que eu não era de sair de casa pra ver um filme. Na mesma tarde vi também Morangos Silvestres e O Ovo da Serpente. Era preciso ver todos os filmes e ler todos os livros pra poder viver.
Lembro, mas aí posso estar enganado, que a bilheteira lia Silvia Plath.
Assistir a O Sétimo Selo foi quase uma cerimônia, que sacramentou definitivamente não só meu amor por Bergman, nascido saltitante, pimpão e boquiaberto, no dia em que vi Fanny e Alexander, mas também a descoberta de uma nova beleza possível nos filmes e nas coisas.
Hoje que tudo isso existe em DVD acho que é impossível pra quem não viveu aquilo ter idéia da proeza que era conseguir assistir a alguns filmes. Bergman, Kurosawa, Antonioni, Fellini, e tantos e tantos outros, como era difícil ver... com esforço e muita paciência, encontravam-se uns três ou quatro filmes de um, dois ou três de outro, em vídeo (VHS), ou se esperava que algum cineclube os exibisse. E isso porque estou lembrando os óbvios... Os raros de verdade...
Mesmo assim vi tudo que pude.
Ainda revejo esse filme, e ainda sinto uma afinidade que poucos outros me despertam.
Essa Idade Média de mentirinha, com céus frios e luzes e sombras fortes, com seus personagens modernos demais pra ser medievais (mas que exatamente por serem modernos em sua sensibilidade fazem um contraste violento e fértil com a ambientação), com sua atmosfera mambembe, e com aqueles atores! ah, Bergman e seus atores!...fala ao pirralhinho encolhido, olhos ainda arregalados de fascínio e pavor, com a intimidade de um parentesco esquisito.
Como se ele entendesse sueco.


Moby Dick

Fui engolido pela baleia lá por 1990. Morávamos, eu e la famiglia, numa casinha minúscula, e eu sem emprego (não que quisesse um) me dedicava à única atividade condizente com a minha natural nobreza de caráter: o ócio.
Na verdade, eram noites e mais noites de leitura ininterrupta. Depois que os pessoal deitava, com a eletrizante perspectiva do batente ao raiar do novo dia, eu assumia meu posto auto-designado na mesa de jantar que ficava na sala (não era uma sala de jantar não, nem dois ambientes, só uma casa pequena mesmo), e munido do equipamento completo indispensável às minhas viagens aventurescas (abajur, pilha de livros e um caderno), zarpava, silencioso feito rato escalando cordame de navio, que preguiçoso eu podia ser, mas sem consideração a ponto de atrapalhar o sono dos trabalhadores, não.
Nunca li tanto nem tão bem. E Moby Dick é das mais  vivas dessas leituras.
O livro é um troço estranhíssimo na literatura americana da época, ou em qualquer literatura de qualquer época. Melville se inspirou em histórias reais de navios atacados por baleias (existe em português o livro do Nathaniel Philbrick, sobre o naufrágio do navio Essex) e começou pensando fazer um retrato sincero e realista do que era ser tripulante de um navio baleeiro. Tendo sido um, ele conhecia bem a profissão, e achava que o modo como fora retratada em livros até aquele momento era inexato e injusto. Isso é mais ou menos o que diz, com a voz do Ishmael, lá no comecinho, pouco antes de endoidar e começar a encher o livro de digressões filosóficas, metafísicas, religiosas, poéticas, tudo sem esquecer o realismo informativo que pretendia usar desde o início. Assim, junto às detalhadas descrições e explicações de todo e qualquer procedimento ou objeto relacionado à caça a baleias como ele a conheceu, e junto a detalhadas descrições de cada parte da anatomia de uma baleia, ele despejou baldes de reflexões sobre a natureza de Deus, sobre destino, sobre ética, sobre pecado, sobre o caráter do capitalismo, sobre a natureza essencialmente blasfema da existência humana, e etc. e etc. e bota etc. nisso. Diz (quem diz? não lembro) que ele se trancava no seu gabinete e não saía, escrevia sem parar, dias seguidos. Quando acabou tinha um livro bizarro, desconjuntado e desvairadamente bonito.
Sei que essa minha descrição faz o livro parecer um pé, mas né não, nunca, necas. Eu que não escrevi direito. O livro é mesmo tudo.
Já reli inteiro três vezes, e volta e meia, enquanto não me atiro à quarta releitura, dou um pega nalgumas páginas ao acaso. Ainda é tão misterioso e fascinante quanto na primeira leitura.

14 de abr. de 2011

La donna è móbile - evelyn nesbit

Rimas ricas: robert graves


Robert Ranke Graves nasceu na Inglaterra em 1895 e morreu em Majorca em 1985. Foi poeta, romancista, tradutor, e um dos mais famosos personagens da literatura inglesa no século 20. Engraçado que no Brasil seja quase desconhecido, porque seus livros, pelos comentários que vi, continuam vendendo. Traduzi um poema curto, de novo meio de qualquer jeito.

Dead Cow Farm

An ancient saga tells us how
In the beginning the First Cow
(For nothing living yet had birth
But Elemental Cow on earth)
Began to lick cold stones and mud:
Under her warm tongue flesh and blood
Blossomed, a miracle to believe:
And so was Adam born, and Eve.
Here now is chaos once again,
Primeval mud, cold stones and rain.
Here flesh decays and blood drips red,
And the Cow's dead, the old Cow's dead.

Fazenda da Vaca Morta

Velha saga conta de que maneira
No começo veio a Vaca Primeira
(Pois nada vivo nascera afinal
Na terra, só a Vaca Primordial)
E que ao lamber a lama e a pedra fria
Do calor de sua língua fazia
Brotar carne e sangue, e incrível de ver:
Foi como fez Adão e Eva nascer.
Agora o caos outra vez se renova,
Lama primeva, pedra fria e chuva.
Aqui a carne decai, sangue correu,
E morreu, a Vaca Velha morreu.

11 de abr. de 2011

Não confunda a obra-prima do mestre picasso...

Quando falo que algum filme ou livro ou coisa que o valha não é arte, ou mesmo que cinema, fotografia e até literatura raramente o são, os dois gatos pingados que me escutam ficam com os pelos meio eriçados e soltam aqueles silvos felinos de raiva incontida.
Difícil para mim ser claro conversando. Escrevo melhor. Também não tenho paciência para explicar o que me parece óbvio. Mas, bora lá, expliquemo-nos pois, com a bênção de Ferreira Gullar, de quem vou tentar copiar a clareza.
Minha birra é com o hábito das gentes de chamar João de Astrogildo. Claro que é normal, graças a Deus, um relaxamento com a língua falada. Se todo mundo macaqueasse livros ao falar eu já teria enfiado um lápis em cada ouvido. Mas é preciso observar um mínimo de rigor, meus caros! Ora bolas! Por Júpiter! Quando as palavras são mal empregadas, as idéias são mal entendidas, e qualquer negócio parece mais esotérico do que é, se é que é.
Esse negócio é bem simples: Arte não existe. Só artista.
Arte é o que o artista faz. Qualquer artista, pintor, escritor, bailarino, qualquer um. Cada artista recria a arte em cada obra. Cada obra é tudo ou nada.
Arte, como liberdade, não é uma coisa, não dá em árvore, não está na natureza. É uma construção mental, uma ferramenta conceitual que nos ajuda a viver.
Arte é um processo de manufatura.
O produto resultante é uma obra de arte, um objeto de arte, um artefato ou o que seja. Isso é importante: falando temos o hábito de chamar o resultado do processo de arte. Não é.
Essa idéia de arte é bem próxima, se não idêntica, à idéia primitiva de arte. É a idéia segundo a qual arte é saber fazer alguma coisa bem feita, seja escrever um livro, pintar um quadro ou lavar a cabeça.
Às vezes o uso da arte resulta na criação de objetos, às vezes não. Mas em qualquer dos casos é uma construção mental e em qualquer dos casos pressupõe o saber fazer algo que dê existência física a essa construção mental.
A habilidade artesanal é indispensável à arte.
Logo, aquelas instalações e performances que vêm com resmas e calhamaços de eruditas considerações mostrando porque o palito de sorvete com o araminho enrolado em volta é arte, bom, é..., em geral né não.
E aí chegamos na segunda metade da questão. Arte é também a expressão, geralmente individual, de um sentimento ou conceito.
Mas tudo que fazemos é expressão de alguma coisa. Se mexo o braço, expresso meu desejo, consciente ou não, de fazê-lo. Posso também querer alcançar aquele copo de uísque ali na mesa, ou aquele livro na prateleira, ou estapear aquele gordinho ali, com o dedo no nariz. Posso expressar tudo isso e incontáveis outras coisas, ao levantar o braço, sem uma palavra.
Mas isso não é arte.
Num livro de filosofia encontraremos a expressão de muitas idéias, em geral muito elaboradas e enfeitadinhas, se não profundas. Mas dificilmente ele será arte. Nem é a intenção do autor que o seja, mas negócio é que não basta expressar qualquer coisa. O que se expressa é tão importante quanto a maneira como isso é feito.
É preciso que exista um equilíbrio entre o que se diz e como se diz para que exista arte.
De novo a filosofia: quase sempre é feita de muito conteúdo e pouca forma.
Enquanto a literatura é feita de muita forma e pouco conteúdo.
O que, diga-se, não torna a literatura necessariamente mais artística que a filosofia. Platão é um filósofo e John Grisham um literato. Qual dos dois é o melhor artista?
Na minha idéia, nenhuma das duas costuma ser uma manifestação de arte. A não ser no sentido em que um pneu bem trocado é uma manifestação da arte da borracharia. Tudo é feito com algum tipo de arte, sim, mas nem tudo é feito com a ambição de ser manifestação artística, e dentre o que é, pouco chega perto de conseguir.
Digamos que um objeto de arte deve ser que nem um ovo de páscoa
A confusão acontece justamente porque as pessoas se dedicam a apreciar e comentar só uma das metades. E nem lhes ocorre lembrar dos bombons...

Então, arte é o processo através do qual se manufaturam objetos que expressam conceitos.
Assim, quando eu, falando com imprecisão, digo que isso ou aquilo não é arte, quero mesmo dizer é que aquilo não consegue realizar sua necessidade de existir como objeto conceitual e artesanal.
Alguma engrenagem roda em falso, algum parafuso fica meio solto e tremelicando, fazendo barulho onde devia ter silêncio.
Por isso digo que não existe arte. Arte é um processo ininterrupto, que continua a existir e mudar enquanto o homem existe e muda. Cada artista sempre tenta alcançá-la sem conseguir. Ela é inatingível, porque a relação perfeita entre forma e conteúdo é inatingível.

Outros conceitos de arte são possíveis e existem, lógico.
Eu só acho que esse ainda é capaz de explicar melhor a bagaça toda.

Voltando à minha birra: se chamamos tudo pelo mesmo nome, é como se chamássemos um jacaré de pintassilgo porque os dois nascem de um ovo. Não existe universo em que se possa dizer que Ivan Lins, Cole Porter e Beethoven são a mesma coisa. Dos três, só Beethoven fez arte. Ivan Lins... frankly, aguiar. E Cole Porter... só digo que Deus adoraria existir para poder ouvir Cole Porter. Mas ele não fazia arte não siôr.
Ainda bem. Arte demais entoja.

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