Semana de correria e canseira. Não consegui mais que rabiscar as tranqueirinhas abaixo.
1
Noutra noite, durante uma janta, amiga perguntou se li “O Som e a Fúria”. Li, sim. Então ela pediu que eu explicasse que raio acontecia no livro e me dei conta de não ter a mais remota lembrança. Minha cara de tacho deve ter fulgurado na escuridão, visível a quarteirões de distância.
Li “O Som e a Fúria” há uns 20 anos mais ou menos, quando morava perto duma biblioteca para onde minhas roupas iam sozinhas, depois de um tempo, quando eram penduradas no cabide.
Lembro que li também “Absalão, Absalão”, e que andei um tempo declarando o Faulkner o melhor escritor americano.
Depois nunca mais li.
Fui, então, após a descoberta do blecaute lítero-mnemônico, ver o que ainda lembraria de outras leituras.
Que desconsolo...
Alguns se encontram na mesma situação de “O Som e a Fúria”: “Nossa Senhora das Flores”, “O Quinze”, “O Balcão”, “Judas, o Obscuro”, “Orlando”, “O Sol Também se Levanta”... parêntese para notar que lendo ou relendo alguns destes livros hoje, desconfio que os detestaria.
De outros esqueci detalhes de enredos ou personagens, mas ainda lembro com maior ou menor clareza da idéia central, ou da impressão que a leitura me deixou: “O Longo Adeus” (futuro clássico), “O Retrato de Dorian Gray” (chaaaato...), “O Chamado da Selva” (um dos maiores encantos literários que já tive)...
O que fica, quando acabamos um livro? Sei que as leituras são tantas quantos são os leitores e quantas as circunstâncias em que acontecem, mas não existirá alguma coisa comum a todas?
Não sei. Acabei concluindo que eu, quando leio, não dou grande atenção a enredo, e quando acabo de ler, o que me fica na memória, passado um tempo, são uma estrutura e um punhado de imagens, além do significado que o livro teve para mim, se o teve.
2
Humor é simples: se é engraçado pode, se não, não.
Não é de bom tom, sim, fazer piada com alguns assuuntos. Mas tudo depende de circunstâncias: quem, onde, quando e como conta a piada.
Danilo Gentili não tem graça. O CQC não tem graça. O programa lá da MTV não tem graça.
Mas o que me espanta mesmo, embora não devesse, é que tanta gente se incomode e se indigne tão facilmente, por motivos que a mim soam tão insignificantes. São palavras, ditas por alguém que as pessoas só conhecem de TV, e cujas opiniões (nos dois casos nem isso), a bem da verdade, não lhes afetam em nada a vida.
Já escrevi sobre isso, mas talvez o assunto ainda renda.
Parece que temos uma noção meio tortinha de tolerância. Parece que existe um fetichismo da tolerância, cujo resultado mais óbvio é a geração de intolerância.
Tolerar não significa concordar, nem discordar mas se abstendo de criticar por respeito à opinião alheia.
Opiniões não têm que ser respeitadas, pessoas têm.
Opiniões têm que ser discutidas e quando necessário massacradas, para que pessoas não sejam massacradas, quando opiniões são transformadas em atos.
Mas isso é importante: Quando transformadas em atos. Opiniões simplesmente expressas em palavras nunca devem ser silenciadas, porque aquilo que se cala à força tem por hábito não se calar, aquilo que banimos sem compreender sempre volta para nos assombrar e, se puder, destruir.
Outra coisa: tolerância não é, também, uma discordância cordial à respeito de nós de gravata e padrões decorativos de cortinas. Tolerância pressupõe que o que se tolera nos seja desagradável e significativo.
A tolerância é a última trincheira da civilidade. Quando se esgotaram todos os outros recursos, usados para assegurar a convivência pacífica entre diferenças, é a ela que se recorre. Não antes disso, porque aí estaríamos usando a idéia de tolerância como a peneira que tapa a nossa solar indisposição para o debate.
Nós brasileiros não conversamos. Desconversamos.