tanta tormenta, alegria

6 de abr. de 2011

Você sabia que o marlon brando sabia soletrar?

Sempre ouço um estalinho de porcelana trincando ao saber que alguém entrou na faculdade pra estudar cinema. É o meu coração confrangido que se encolhe, apavorado e cheio de piedade. Isso acontece também quando ouço as palavras faculdade, universidade, estudo, academia, e outras relacionadas ao que me parece um suplício que muita gente ingênua se autoinflige com as mais perfeitas desnecessidade e boa fé. Se a vítima é alguém conhecido, então... noites e noites de triste insônia me esperam... Mas se a faculdade é de cinema, a irretocável estupidez da coisa soa tão violentamente agressiva que dói feito um bom pé nos bo... garts...?
Pois aconteceu há um tempinho. Sobrinha de um grande amigo nosso, eu soube, estudava cinema, e lhe pediu ajuda pra fazer um trabalho. O choque atingiu níveis, e até cumes e píncaros, inesperados, quando ouvi o tema (O Tempo no Cinema) do trabalho, e trechos (um trecho do primeiro parágrafo, na verdade) do texto que lhe deveria servir de base. O Tempo no Cinema... O texto era do Gilles Deleuze... Nosso amigo, coitado, pastou na tentativa de ajudar, levado por desinteressado amor, sua ingênua parentazinha. Conversando um pouco sobre o assunto, assustamo-nos (ingenuidade nossa, agora; já devíamos esperar) com a galopante mediocridade, com a acachapante obtusidade, dos livros e idéias que vêm sendo entuxados em tais cabecinhas, tão evidentemente desprovidas de anticorpos aptos a combater esse tipo de praga. Isso me fez organizar essa listinha. Sugestões de leitura àqueles que se interessem por cinema. Não foi fácil, antes de mais nada porque ler sobre cinema é, talvez, a mais perfeita forma já criada de perda de tempo. Então sugiro, primeiro, que você não leia sobre cinema. Caso lhe pareça que exagero e você insista (ah, a curiosidade dos jovens, a ânsia de saber, de abraçar o desconhecido!), em deslindar as tramas e os dramas das imagens em movimento, a dificuldade seguinte é encontrar algo que mereça ser lido. Tentei ficar só no que me parece básico. Vejamos.
Guia de vídeos/DVDs. Não conheço uma publicação ou site que forneça uma listagem confiável do que existe ou não em DVD no Brasil. Na falta de outros, os livros do Rubens Ewald Filho podem ser úteis.
História do cinema. Um ou dois livrinhos simples só para saber quem nasceu primeiro, Tarantino ou Mèliés. Existem livros baratos de Inácio Araújo e Luís Carlos Merten nos sebos.
Um dicionário de termos técnicos. Para saber o que é traveling, tomada, fade in, essa papagaiada toda.
Teoria do cinema. Se você quiser mergulhar em teoria e coisa e tal, tem um livrinho curto chamado As Principais Teorias do Cinema, de J. Dudley Andrew. É mal escrito. O tom, como se pode deduzir pelo título imaginativo, não é lá muito colorido, festivo ou eletrizante, mas sério e solene, bem adequado para tratar de temas como a morte e as doenças venéreas. É o tom oficial e internacional da Acanemia, e as teorias em si me parecem absolutamente inúteis, mas o livro cobre o principal do assunto rapidamente.
Crítica. Aqui a situação é um pouquinho menos desesperadora. Críticos geralmente são menos crétinos que teóricos, mas ainda assim poucos são capazes de andar sem consultar um manual de instruções. Alguns: Ruy Castro apadrinhou, organizou, prefaciou e posfaciou dois livrinhos dos melhores já lançados no Brasil sobre o tema. Um colige textos de Antonio Moniz Vianna e o outro de José Lino Grünewald. De meu conhecimento, estão entre os melhores críticos em qualquer época ou lugar. Complemente a leitura destes com o livro de artigos do próprio Ruy, organizado por Heloísa Seixas. Parêntese para dizer que nós, no Brasil, não temos o hábito de pôr em livro o trabalho publicado em jornal sobre qualquer assunto, inclusive cinema. Isso torna difícil o acesso a escritos de uma multidão de pessoas capazes. Salvo ignorância minha, faltam-nos coleções de textos de Alex Vianny, Rubem Biáfora, Carlos M. Mota, Pola Vartuk, Inácio Araújo, e mesmo Sérgio Augusto.
A Brasiliense lançou, na década de 80, uma coletânea de textos de André Bazin com título Ensaios, que eu francamente acho dispensável pra quem quiser se limitar ao fundamental. Dificílimo encontrar esse livro em sebos, mas é mais interessante que os dois ou três dele atualmente em catálogo.
Pauline Kael, 1001 Noites no Cinema. Também acho melhor, se você quer ficar no essencial, do que o outro dela em português, Criando Kane e Outros Ensaios, com textos mais longos. Esse 1001 Noites no Cinema tem resumos de críticas, bem curtinhos e cobrindo filmes de todas as épocas e lugares. Mas no Criando Kane está um texto fundamental, chamado Lixo, Arte e Cinema.
Truffaut. O Prazer dos Olhos. Escreve bem.
Alguns dos melhores livros que já li sobre cinema são biografias. No caso, autobiografias. Três: John Huston, Akira Kurosawa e Ingmar Bergman.
Lillian Ross. Filme. É possível que seja o melhor livro sobre cinema. Reportajona sobre as filmagens de Glória de um Covarde, um fracasso épico na carreira de John Huston.
Gore Vidal tem um ensaio magistral no livro De Fato e De Ficção, chamado, se não me engano, Quem Faz os Filmes. Idem Paulo Francis no volume 1 das coletâneas do Pasquim saídas há uns anos. O texto se chama Mata que é Crítico.
Muitos dos melhores escritores estrangeiros na área nunca foram publicados no Brasil, de novo salvo ignorância minha. Se puder ler inglês e tiver dinheiro, leia James Agee e Dwight Macdonald, e David Thomson e Penelope Gilliat. Esses são apenas alguns de que lembro sem esforço, e todos de língua inglesa. Se quiser procurar mais, tasca na Viquipédia um, sei lá, list of film critics, e vê o que acontece.
E assim chegamos à intelnétia. Aí a oferta é vastíssima e inapreensível no período de uma vida. Felizmente a maior parte é perda de tempo. Dos sites vale o óbvio IMDB. E a própria Viquipédia é útil. Both in english. Ah, tem o TSPDT. Em vernáculo, temos pouco que preste. O blog do Carlos Reichenbach talvez seja o melhor.
Taí. Já tem coisa até demais. Para quem se interessar mesmo, aprofundar a pesquisa por conta a partir disso é fácil.

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